Novos ventos do velho continente – poemas de Soffía Bjarnadóttir, Sergio Garcia Zamora e Francesca Serragnoli, 2023
Soffía Bjarnadóttir
Sensibilidade
ainda sinto náusea
três meses depois
quatro cinco
seis sete
a confusão por detrás
das pálpebras
não chegue perto
você não está seguro
perto de mim pois
estou morta-
espero
e sigo tendo esperança
irei arrastá-lo
no tempo
mas não vamos
muito longe
quando sumirmos
de vista
[NÆMI]
finn enn ógleðina
þrír mánuðir liðnir
fjórir fimm
sex sjö
óreiðan bak við
augnlokin
ekki koma nær
þér er ekki óhætt
nálægt mér því
ég er dauð-
vona
og vona
mun draga þig
á langinn
en við förum
ekki langt
þegar við hverfum
sýnum
Francesca Serragnoli
Miséria das coisas não contadas
a hora diante da qual
já não poderás ajoelhar nada
ser ouvidos quando se chora
as cigarras as folhas da azinheira
os rastros brancos cruzados sobre a lua
o focinho úmido dos animais
o cheiro do mel
beber quando se tem sede
o cheiro de mãos que cozinharam
o silêncio na sala de espera
o café, o vinho.
O mundo inteiro é tão pequeno
cai no chão feito criança
olha-te com olhos petrificados
um segundo antes de chorar.
Alargo os braços
feito uma mãe ou feito uma cruz.
Miseria delle storie non raccontate
l’ora davanti a cui
non potrai più inginocchiare niente
l’essere ascoltati quando si piange
le cicale le foglie del leccio
le scie bianche incrociate sulla luna
i nasi bagnati degli animali
l’odore del miele
bere quando si ha sete
l’odore delle mani che hanno cucinato
il silenzio nella sala d’aspetto
il caffè, il vino.
Tutto nel mondo è piccolissimo
cade in terra come i bambini
ti guarda con occhi impietriti
un secondo prima di piangere.
Allargo le braccia
come una madre o come una croce.
Sergio García Zamora
O alucinado
Mãe, vou enlouquecer, mas volto. O que lhe preocupa mais: o quanto demoro para enlouquecer ou o quanto demoro para voltar da loucura? A viagem é de trem, de avião, de barco; trem e avião e barco dentro de mim, foguete e submarino dentro de mim. A viagem ocorre dentro de mim enquanto pedalo minha bicicleta de carteiro pelo vilarejo. Passarei por estações e portos para recolher os louquinhos de cada vilarejo. Suas mães irão entregá-los a mim como crianças. Que nada lhes aconteça, elas me pedem, que não voltem lúcidos. E entendo as mães como a minha, porque de tanto cuidar da loucura de seus filhos, já não saberiam cuidar da sensatez de seus filhos. Vejo-os embarcar e sorrir. Levantam seus chapéus como se levantassem a tampa de seus cérebros. Sob o chapéu há a primavera, alguns ostentam um ninho com pintinhos; outros, borboletas e maçãs. Nunca há dois loucos iguais, mesmo tratando-se de loucura. Meus companheiros de viagem embarcam com suas bagagens. Trazem nelas duas camisas de força para trocarem caso se sujem de café envenenado. Vamos brincar de guerra como os soldados brincam de serem loucos. Todos os dias ganhamos no fronte, mas isso nunca é notícia nos jornais. Todos os dias sobrevivemos a nós mesmos. Mãe, eu vou enlouquecer, mas volto. Não se preocupe, minha mãe, sou o capitão desse regimento.
El alucinado
Madre, voy a enloquecer, pero regreso. ¿Qué te preocupa más: cuánto demoro en enloquecer o cuánto demoro en regresar de la locura? El viaje es en tren, en avión, en barco; tren y avión y barco dentro de mí, astronave y submarino dentro de mí. El viaje sucede dentro de mí mientras pedaleo mi bicicleta de cartero por el pueblo. Pasaré por las estaciones y los puertos a recoger al muchacho loco de cada pueblo. Sus madres me los encargarán como a niños. Que no les pase nada, me piden, que no vuelvan lúcidos. Y entiendo a las madres como a mi madre, porque de tanto cuidar la locura de sus hijos, no sabrían ya cuidar de la cordura de sus hijos. Los veo subir y sonreírme. Se levantan el sombrero como se levantan la tapa de los sesos. Debajo del sombrero es primavera, algunos lucen un nido con pichones; otros, mariposas y manzanas. Nunca hay dos locos iguales, aunque sean la locura. Suben mis compañeros de viaje con sus maletas. En la maleta llevan dos camisas de fuerza para cambiarse si se manchan con el café envenenado. Jugaremos a la guerra como los soldados juegan a estar locos. Todos los días vencemos en el frente, pero no se anuncia en los periódicos. Todos los días sobrevivimos a nosotros. Madre, voy a enloquecer, pero regreso. No te preocupes, madre mía, que soy el capitán de este regimiento.
Soffía Bjarnadóttir (Reykjavík, Islândia, 1975) é uma poeta, romancista e dramaturga. Sua prosa e poesia conduzem para uma escuridão mística e um tom assombroso, brincando com mitos, morte e renascimento. Seu primeiro romance, Segulskekkja (Declinação Magnética) foi publicado em 2014, recebeu a bolsa de novos talentos do Fundo Islandês de Literatura e foi traduzido para o francês. Sua primeira coletânea de poemas, Beinhvítskurn (Casca Branca) foi publicada em 2015. Em seu último livro de poemas, Ég er Hér (Eis-me Aqui), de 2017, ela escreve sobre a beleza e a crueldade do amor como um catalisador para a transformação. Soffía é mestre em Literatura Comparada e Criação Literária e também estudou Dramaturgia. Seu segundo romance, Hunangsveiði (Caça ao Mel) foi publicado em 2019 e tematiza uma jornada da Islândia a Portugal em que a saudade e a herança da dor se transforma num registro de sentidos.
Francesca Serragnoli (Bologna, Itália, 1972) formou-se em Literatura Moderna pela Universidade de Bolonha. Trabalhou e atualmente faz parte da direção do Centro de Poesia Contemporânea da Universidade de Bolonha. Seus textos apareceram em numerosas antologias, tendo publicado os livros de poesia Il Fianco Dove Appoggiare un Figlio (Re Enzo, Bolonha, 2003, reimpresso em 2012 pela editora Raffaelli, Rimini, em uma edição ampliada), e Il Rubino del Martedì (Raffaelli, Rimini, 2010), mais tarde incluído em Aprile di Là (LietoColle/Pordenonelegge, 2016). É colaboradora da revista de poesia contemporânea clanDestino.
Sergio García Zamora (Santa Clara, Cuba, 1986) é formado em literatura pela Universidad Central Marta Abreu, em Las Villas. Em 2003, publicou seu primeiro livro de poesia, Autorretrato Sin Abejas (Autorretrato Sem Abelhas). Suas coleções de poesia receberam várias premiações: seu Tiempo de Siega, o prêmio Poesía de Primavera (2009); Poda, o prêmio Calendario 2010; El Valle de Acor, o prêmio Fundación de la Ciudad de Santa Clara (2011); Día Mambí, o prêmio Digdora Alonso (2011); Libro del Amor Feliz, o prêmio Emilio Ballagas (2012); Las Espléndidas Ciudades, o prêmio Eliseo Diego (2012), La Violencia de Las Horas, o prêmio José Jacinto Milanés (2012); Caballería Insurrecta, o prêmio Manuel Navarro Luna (2012); La Condición Inhumana, o prêmio nacional de poesia do jornal Gaceta de Cuba (2014). Suas premiações mais recentes incluem o prêmio Wolsan-Cuba (2015), o prêmio internacional de poesia Rubén Darío (2015), o prêmio Loewe à Jovem Criação (2016), os prêmios Gabriel Celaya e Blas de Otero (2018), os prêmios Jorge Manrique e o Prémio de la Crítica (Cuba) (2019), os prêmios de poesia Juan Alcaide e Blas de Otero-Ángela Figuera (2020) e o Nicolás del Hierro (2023).
Francesca Cricelli (Ribeirão Preto, 1982) é poeta e tradutora literária, doutora em Literaturas Estrangeiras e Tradução pela Universidade de São Paulo. Publicou entre outros Repátria (Selo Demônio Negro, 2015), 16 poemas + 1 (edição de autora, 2017), Errância (Sagarana forlag e Macondo Edições, 2019). Seu novo livro, Inventário, encontra-se no prelo pela editora Nós. Vive em Reykjavík, na Islândia, onde estuda língua e literatura islandesa.