Entrevistas e outras publicações

Poema na “Antologia Poética” da Cult

Nos poemas desta antologia, por um lado, a ruína é apresentada em sua multiplicidade. O tempo, a espera, o enigma, o continente, o rito, o mar, um idioma, a casa, um amigo, um rosto, os cabelos, a noite, os lençóis brancos, o silêncio, os pais, a palmeira, o pássaro, as asas, o sono, o amor, os pescadores, a cidade, a guia de exu, os anjos, a melhor amiga, o caderno, a Terra sem mal – tanto do nosso desejo, enfim, é sequestrado para ser desfeito. Por outro lado, é nessa fatal realidade que, como
afirma Jussara Santos, “todos os dias melancolicamente” acontecemos. Ou, para nos contrapormos à destruição e, simultaneamente ultrapassá-la, entrevemos nos mesmos poemas o que pode vir a ser o Espírito desse Tempo: aquele que nos permite antever uma vida com sentidos profundos, embora tudo ainda esteja assolado por um sol escuro. (Edimilson de Almeida Pereira). 

Participaram desta edição:
Adriana Lisboa, Anelito de Oliveira, Alvaro Naddeo, Auritha Tabajara, Camila do Valle, Carlos Machado, Demetrios Galvão, Denilson Baniwa, Eduardo Jorge,
Fernando Fiorese, Francesca Cricelli, Iacyr Anderson Freitas, Iracema Macedo, Joselly Vianna Baptista, Jussara Salazar, Jussara Santos, Laura Assis, Leo Gonçalves, Maria Esther Maciel, Marília Floôr Kosby, Marjô Mizumoto, Maxwell Alexandre, Mônica de Aquino, Natan Barreto, Otávio Campos, Paulo Nunes, Ramonn Vieitez, Ricardo Aleixo, Ronald Augusto, Salgado Maranhão, Stephanie Borges, Vera Lúcia de Oliveira, Waldo Motta

Ser o sal que tira do mundo a cegueira do branco

 

As torres desta cidade elevam-se como declarações de amor
diz Zagajewski num poema póstumo para Herbert
admiro a altivez régia dos teus poemas

e eu adentro os tácitos fios desta conversa entre poetas
peço licença pela lembrança
na Avenida Paulista não eram as torres
mas as antenas sobre elas
e as confusas elevações
que se refletiam nos olhos da Gualtieri
que comigo caminhava e dizia
o que são estes braços metálicos que apontam para o céu?
seriam estas as catedrais de São Paulo?

onde não há horizonte faz-se no céu uma saída

e que saída se faz quando tudo é céu e tudo é mar
onde só há horizonte
como represar a paisagem por trás dos olhos?
retroceder no espaço como as geleiras
rasurar fiordes sobre a pele

nos esgarçamos aos poucos quando não nos perdemos
deveríamos autorizar o tempo, o longínquo, as quedas d’água
o sonho que ronda o nosso sono
paira sobre os olhos
sobre as pálpebras fechadas

há tanto vento em ti e tanta estrada à frente
as nuvens não estarão sobre nós para sempre

no equilíbrio entre a melancolia e o riso
traçar o risco
enraizar as declarações de amor
plantá-las como tempero
fazer com que cresçam feito tomilho numa estufa geotérmica
ser o sal que tira do mundo a cegueira do branco